Pra dizer que falei das flores
A paisagem de um deserto vista em imagens de televisão, cinema e fotografias geralmente nos trazem a sensação de tranquilidade, sossego e, até nos convida para um momento de meditação – uma visita ao seu próprio eu interior em busca de si mesmo. Mas, será que estar pessoalmente num deserto, sob a agressão do sol causticante do dia e o ímpeto do vento gelado durante a noite nos traria o mesmo sentimento de alívio da alma?
Há desertos tão áridos na África onde é praticamente impossível a permanência até mesmo de um beduíno ermitão adaptado à solidão e as intempéries desérticas. Onde oásis são apenas miragens que ludibriam o viajante moribundo.
Quem pensaria em flores num deserto? Sim, flores multicoloridas formando um lindo e extenso jardim? Não uma simples miragem fugidia que engana o caminhante, o ilude!
Alguém pode dizer: - Isto é coisa de gente visionária. Pessoa que vive com o pé na Terra e a cabeça na lua.
Saiba que o deserto florido existe! E, registrado no Guiness Book como sendo o deserto mais seco e árido do mundo. E, não está na África ou na Ásia. O deserto do Atacama, está no norte do Chile e, vez por outra, recebe uma dose especial de chuva que faz brotar sementes que durante anos permanecem sepultadas entre pedras e areia, irrompendo o que muitos chamam de ´o milagre do deserto florido´. Este fenômeno tem atraído turistas, curiosos e cientistas do mundo todo. Este sim, quando florido, traz inspiração e realça o sentimento mais íntimo de que vale a pena viver – há beleza e estímulo à vida mesmo num deserto.
Alguém disse: - ´Até mesmo as flores dependem da sorte... umas enfeitam a vida, outras a morte´. É bem verdade que as flores têm marcado presença na vida dos humanos, tanto em momentos felizes, quanto no infortúnio da morte. Nem por isso as flores deixam de ser belas e inspiradoras. Na vida ou na morte as flores permanecem singelas com suas cores e perfumes especiais. Que os otimistas não percam a oportunidade de admirar e usufruir o carinho das flores, enquanto os pessimistas lamentam a morte delas para enfeitar a sua própria morte.
“Pra não dizer que não falei das flores” – este é o título de uma música, escrita e cantada por Geraldo Vandré e que se tornou o hino de batalha dos jovens revolucionários dos anos 60 quando se mobilizaram contra um sistema arcaico, injusto e repressor no Brasil. Esta música, também conhecida como ´Caminhando´, teve sua execução proibida durante anos pela ditadura militar brasileira, pois conclamava o povo à ação em busca da liberdade de pensamento e expressão contra o poderio das forças do imperialismo militar brasileiro. Jovens-flores desabrochavam no deserto da impiedade e da subversão à liberdade democrática tão almejada naquele tempo em nosso país. O seu refrão ainda ressoa em meus ouvidos: - Caminhando e cantando/ E seguindo a canção/ Somos todos iguais/ Braços dados ou não...
Às vezes fico pensando o quão significativo pode ser contemplar as flores de um jardim e meditar na realidade que cada um, e todos nós, seres humanos, vivemos em nosso dia a dia. A gente tem se tornado seres insensíveis, gananciosos, mais amantes das coisas do que das pessoas. Personalizamos as coisas e coisificamos as pessoas. Tornamo-nos, muitas vezes, como um deserto tão árido que não permite sequer uma gota de gentileza e amor capazes de florescer no coração de nossos semelhantes.
Sejam as flores o colorido e o perfume que enobreçam o seu viver!
Geraldo Gabliel
ggabliel@gmail.com
0 comentários:
Postar um comentário